Mudança no ICMS aumenta custos e gera dificuldades para os negócios

Notícia publicada em 18/02/2021

Governo de São Paulo cortou isenção de ICMS para alguns setores. Tributaristas e contabilistas afirmam que a mudança – e a briga judicial que ela ensejou- criou um emaranhado tributário difícil de ser interpretado.

Da Folhapress

SÃO PAULO – O ajuste fiscal promovido pelo governo de São Paulo no ano passado, com corte de isenção de ICMS para vários produtos e mudanças em alíquotas, também tornou mais complexo o tratamento tributário no estado. Deu origem, ainda, a um duelo de decisões judiciais mantendo ou derrubando as revisões feitas pelo fisco estadual.

Tributaristas e contabilistas afirmam que a mudança – e a briga judicial que ela ensejou- criou um emaranhado tributário difícil de ser interpretado especialmente por pequenas empresas, que não dispõem de programas sofisticados ou equipe para implementar todas as alterações. Além disso, afirmam que produtos e serviços podem ficar mais caros.

Nesta quarta, representantes dos setores de saúde, do agronegócio e dos revendedores de automóveis fizeram um tratoraço na capital contra o aumento de ICMS. Eles saíram da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) e foram até a Assembleia Legislativa.

Welington Mota, diretor tributário da Confirp Consultoria Contábil, diz ter levado quase um mês para entender todas as modificações introduzidas pelo governo João Doria (PSDB). Desde outubro do ano passado, 15 decretos revisaram ou renovaram isenções e benefícios fiscais, além de mexer em bases de cálculo e de crédito outorgado.

Na avaliação da advogada Renata Bardella, líder de tributo do schneider, pugliese, as mudanças irão aumentar o custo administrativo que a empresa tem para pagar seus tributos em dia.

Para Adriano Gilioli, do CRC-SP (Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo), as alterações trouxeram “uma complexidade operacional nunca vista”, que vai acabar em aumento nos autos de infração – e, portanto, de custos – contra empresas devido à dificuldade que elas terão para se adaptar à nova legislação tributária.

“Com uma legislação dessa, vamos perder pessoas jurídicas. Ninguém esperava um 2021 com uma legislação estadual tão trabalhosa. Quando dou a cada produto uma conduta tributária diferente, imagine o impacto disso para um varejista, uma mercearia, um mercado ou uma distribuidora, para quem mexe com vários produtos”, diz.

Revendas de veículos usados, construção civil, indústria de produtos médicos e empresas do ramo de refeições estão entre os setores mais afetados pelas mudanças, destaca Mota, da Confirp. Nos alimentos, o impacto teria sido maior, mas o governo recuou após protestos e manteve a isenção do ICMS para frutas, verduras e legumes e a alíquota de 7% para ovos (passaria a ser de 9,4%).

Outro complicador, segundo ele, refere-se à obrigação de complementação de imposto para a cadeia de substituição tributária, na qual se paga uma alíquota com base em preço fixo definido pelo Fisco. O complemento será necessário se o valor final do produto for maior do que previsto quando houve o cálculo da retenção do tributo.

“É praticamente impossível as empresas terem esse nível de controle de estoque. Grandes atacadistas ainda usam consultorias, com softwares avançados, para conseguir monitorar isso, mas a maioria não tem”, afirma.

“O empresário precisa ter o cuidado de entrar no sistema e parametrizar item por item, de acordo com a data da operação. E aí não tem jeito, se a alíquota aumenta, ele vai repassar para o preço e perder competitividade”, diz Welington Mota.

A Secretaria de Fazenda e Planejamento de São Paulo afirma que o Estado sempre se empenhou em fixar uma base de cáclulo justa e transparente para a substituição tributária. Os contribuintes podem solicitar ressarcimento quando preço de venda for inferior ao apurado, diz a gestão estadual, e agora passam a precisar complementar quando ele for maior.

Empresas optantes pelo Simples Nacional não terão aumento de carga tributária, uma vez que recolhem o imposto estadual embutido em uma alíquota que integra outros tributos. Mas uma mudança nas regras tributárias está fazendo essas empresas pagarem mais pela aquisição de produtos do que as não-optantes pelo Simples.

A situação dos açougues ilustra a diferença no tratamento. Quando vende carne para empresas como mercados, supermercados e açougues, os frigoríficos pagam uma alíquota reduzida de 7% de ICMS. Porém, se o mercado ou açougue for optante do Simples, a alíquota é cheia, entre 12% e 13,3%. “O não-optante [pelo Simples] acaba tendo um custo de compra menor”, diz Silvio Vucinic, consultor do Sebrae-SP.

Essa exceção está valendo também para os produtos têxteis, mas, em 1º de abril, a regra muda novamente e as vendas para empresas do Simples voltarão a ter base de cálculo menor.

E o nível de complexidade vai além da situação do Simples Nacional. No setor de saúde, as vendas de medicamentos para o tratamento de câncer, gripe H1N1 e Aids, equipamentos e insumos continuam isentas somente quando realizadas para hospitais públicos e santas casas. Nas negociações com estabelecimentos privados, a alíquota passou a ser de 18%.

Representantes do setor de distribuição de artigos médicos dizem que o repasse de custo pode chegar a 22% sobre o preço de venda. Entre os medicamentos, os genéricos teriam elevação de 12% para 13,3%, mas a mudança foi cancelada no decreto de 15 de janeiro. Mesmo assim, medicamentos especiais, como os para tratamentos de câncer, Aids, H1N1 e doenças renais, perderam a isenção -a alíquota passou a ser de 12%, quando genéricos, e de 18% para os de marca.

A elevação da carga tributária para o setor levou a uma série de disputas judiciais. Da indústria de remédio, PróGenéricos (associação das indústrias de genéricos) e Sindusfarma (sindicato da indústria) entraram com ações. A primeira chegou a conseguir uma liminar para barrar a elevação, mas ela foi suspensa. O mandado de segurança do sindicato ainda não foi analisado.

O vai e vem de liminares também eleva a percepção de insegurança jurídica, diz Renata Bardella. “A análise de conformidade [manter as obrigações tributárias em dia] fica muito mais complexa. O fornecedor precisa controlar o cadastro de clientes, ver se ele se enquadra na manutenção de isenção, se é uma santa casa ou um hospital filantrópico, e se, no dia da venda, ele tem ou não uma liminar”, afirma a advogada.

Também foram à Justiça para tentar barrar as mudanças a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Abimo (Associação da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos), Abimed (indústria de alta tecnologia de produtos para saúde), Anahp (hospitais privados) e Sindhosp (Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo).

A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) também entrou com ação – a liminar foi negada na semana passada. O governo de São Paulo diz que o projeto de lei que autorizou os decretos mexendo no ICMS foi “amplamente discutido na Assembleia Legislativa durante 60 dias, com a participação da sociedade civil, e aprovado pelos parlamentares”.

A Fazenda estadual afirma que não houve aumento de impostos, mas a revisão linear de 20% nos benefícios fiscais concedidos aos diversos setores. A legislação que mexeu no ICMS prevê que as mudanças de alíquota durem dois anos.

 

Fonte: Fenacon/Folhapress

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